"Não quero a faca, nem o queijo. Quero a fome."
A graça da vida não é o achado, mas a busca que nos atesta: “Estou vivo!”
Eu nasci no Rio de Janeiro. Mas não no Rio de Manoel Carlos e Tom Jobim, num outro Rio de Janeiro. Um Rio tão distante desses que por vezes parecia até outra cidade.
Bento Ribeiro, Zona Norte (RJ)
Noveleira de carteirinha, lembro dos meus olhos infantis cravados na TV vendo as belíssimas protagonistas caminhando em praias mais belas ainda, e pensava: “Poxa, eu queria morar aí”, sem me dar conta que eu já morava, só que do outro lado.
Urca, Zona Sul (RJ)
Morar num RJ de poucos acessos me fez criar a fantasia de que São Paulo era melhor, e quando criança, eu queria morar lá. Não morei. A contragosto, fui morar ainda mais longe, no interior do Rio. Ali passei longos anos querendo retornar. Retornar para aquele RJ que, inicialmente, eu queria trocar por São Paulo.
Curiosa como é a vida, em dado momento fiquei entre a decisão de voltar ao RJ ou começar uma nova empreitada em Minas Gerais. E eu, que passei anos querendo retornar àquele RJ que inicialmente eu queria trocar por São Paulo escolhi,… morar em Minas.
Chegando em Minas, a vida me revirou do avesso e eu, depois de longos anos querendo retornar ao RJ, que inicialmente eu queria trocar por São Paulo, mas decidi por Minas, optei por, enfim, morar no Rio. Mas dessa vez, um Rio diferente.
Nesse outro Rio que agora pude acessar, vivenciei um momento que raras vezes nos acontece, e que, para o nosso bem, dura segundos: o de estar vivendo a fantasia.
Bom, e agora que finalmente estou de volta ao RJ, aquele que inicialmente queria trocar por SP mas acabei trocando por Minas para que, só depois, pudesse retornar (agora num Rio diferente, um pouco mais semelhante ao da fantasia novelística) vou, enfim, fincar raízes e descansar em paz, certo ?
Errado, claro.
Flamengo, Zona Sul (RJ)
Me peguei recentemente pensando:
“Poxa, e se eu morasse mais perto da praia?” e prontamente me respondi:
“Mas você morou 15 anos ao lado da praia e detestava”
e me retruquei
“Mas agora seria outra praia…”
e me dei a tréplica
“Mas, minha filha, você nem gosta de praia! “
Recomecei
“Mas e se eu fosse para um lugar frio? Eu adoro frio!”
“Bom, aí você ficaria longe da praia. E do Rio. Você não queria voltar pro Rio? “
e me respondi
“Sim, eu adoro o Rio. Mas o Rio não é frio. E eu adoro o frio.”
Nesse monólogo dialético comigo mesma pensei no quanto a dinâmica do desejo enlaça dos mais apegados a repetição aos mais resistentes à mudança. Ela é certeira quando diz que a graça da vida não é o achado, mas a busca. Pois é justamente a busca que nos atesta: “Não descansei em paz, estou vivo!”
Me veio Adélia Prado: “Não quero faca, nem queijo. Quero a fome.”
Nathália Yohanna
Psicóloga Clínica- CRP: 05/62211
“Somos as palavras que trocamos”
Obrigada por ler! ♡