Elena Ferrante e quando os lugares que deixamos para trás não nos deixam
Ao encarar o egresso de frente, será que ainda caberemos no lugar que deixamos pra trás?
Dia desses estava no clube do livro discutindo a 2° obra da tetralogia da Ferrante, História de um novo sobrenome, e diante da história de Lena começamos todos a pensar na complexidade que é sair. Sair sem saber se o lugar que deixamos permanecerá o mesmo. Ou ainda, se nós permaneceremos os mesmos depois de cruzar a porta de saída. Ao encarar o egresso de frente, será que ainda caberemos no lugar que deixamos pra trás?
Lena, assim como nós, se viu fazendo essas perguntas.
A história da personagem é cheia de simplicidades profundas. Uma menina que cresce em um bairro pobre da Itália e vê nos estudos a oportunidade de conhecer um mundo além do seu. E seu mundo, devo dizer, já não era pequeno. Pelo contrário, se fazia notar. Era barulhento, espalhafatoso e agressivamente cru. Rodeado de amores viscerais, lamentáveis misérias, intrigas homéricas e desfechos dignos de uma boa trama italiana, o mundo de Lena era puro excesso frente a escassez.
Lena tenta transgredir esse muito que por tanto lhe faltou. Surgem os nobres conceitos, os livros robustos e as distintas companhias que guiaram sua trajetória rumo a construção de um novo status. Lena consegue.
Se torna escritora, óbvio!
Qual lugar abriga melhor as almas cronicamente atormentadas do que as páginas em branco?
No entanto, é do alto de suas conquistas que Lena se depara com o não lugar. A posição no pódio duramente alcançada deixa um rastro de não pertencimento que Lena custa a entender. Se em Nápoles se sentia tão diferente dos seus, no mundo universitário a marca de Nápoles gritava em sua pele, a fazendo, novamente, se sentir diferente dos demais.
Seríamos assim então? Eternamente estrangeiros?
Nos vimos na pele de Lena. Cada uma na mesa também precisou prescindir em algum nível da própria história e enfrentar a estranheza que isso traz.
Culpa, orgulho, medo, desamparo (...) Por um lado, o receio de avançar para um mundo tão além dos seus que talvez estes já não lhe possam mais abraçar. Por outro, a certeza de que foi preciso fazer isso para que uma nova história fosse escrita.
Não é fácil sair. Lena soube, nós também.
Nathália Yohanna - Psicóloga Clínica
CRP: 05/62211
“Somos as palavras que trocamos”
Obrigada por ler!